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terça-feira, 11 de outubro de 2011

CASIMIRO DE ABREU ---- AS PRIMAVERAS


 Um dia -além dos Órgãos,na poética Friburgo-isolado dos meus companheiros de estudo,tive saudades
da casa paterna e chorei.

Era de tarde; o crepúsculo descia sobre a crista das montanhas e a natureza como que se recolhia para entoar o cântico da noite; as sombras estendiam-se pelo leito dos vales e o silêncio tornava mais solene a voz melancólica do cair das cachoeiras. Era a hora da merenda em nossa casa e pareceu-me ouvir o eco das risadas infantis de minha mana pequena! As lágrimas correram e fiz os primeiros versos da minha vida, que intitulei – Às Ave-Marias: – a saudade havia sido a minha primeira musa.

Era um canto simples e natural como o dos passarinhos, e para possuí-lo hoje eu dera em troca este volume inútil, que nem conserva ao menos o sabor virginal daqueles prelúdios!

Depois, mais tarde, nas ribas pitorescas do Douro ou nas várzeas do Tejo, tive saudades do meu ninho das florestas e cantei; a nostalgia me apagava a vida e as veigas visonhas do Minho não tinham a beleza majestosa dos sertões.

Eu era entusiasta então e escrevia muito, porque me embalava à sombra duma esperança que nunca pude ver realizada. Numa hora de desalento rasguei muitas dessas páginas cândidas e quase que pedi o bálsamo da sepultura para as úlceras recentes do coração; é que as primeiras ilusões da vida, abertas de noite – caem pela manhã como as flores cheirosas das laranjeiras!

Flores e estrelas, murmúrios da terra e mistérios do céu, sonhos de virgem e risos de criança, tudo o que é belo e tudo o que é grande, veio por seu turno debruçar-se sobre o espelho mágico da minha alma e aí estampar a sua imagem fugitiva. Se nessa coleção de imagens predomina o perfil gracioso duma virgem, facilmente se explica: – era a filha do céu que vinha vibrar o alaúde adormecido do pobre filho do sertão.
Rico ou pobre, contraditório ou não, este livro fez-se por si, naturalmente, sem esforço, e os cantos saíram conforme as circunstâncias e os lugares os iam despertando. Um dia a pasta pejada de tanto papel pedia que lhe desse um destino qualquer, e foi então que resolvi a publicação das – Primaveras; depois separei muitos cantos sombrios, guardei outros que constituem o meu – livro íntimo – e no fim de mudanças infinitas e caprichosas, pude ver o volume completo e o entrego hoje sem receio e sem pretensões.

Todos aí acharão cantigas de criança, trovas de mancebo, e raríssimos lampejos de reflexão e de estudo: é o coração que se espraia sobre o eterno tema do amor e que soletra o seu poema misterioso ao luar melancólico das nossas noites.

Meu Deus! que se há de escrever aos vinte anos, quando a alma conserva ainda um pouco da crença e da virgindade do berço? Eu creio que sempre há tempo de sermos homem sério, e de preferirmos uma moeda de cobre a uma página de Lamartine1.

De certo, tudo isto são ensaios; a mocidade palpita, e na sede que a devora decepa os louros inda verdes e antes de tempo quer ajustar as cordas do instrumento, que só a madureza da idade e o trato dos mestres poderão temperar.

O filho dos trópicos deve escrever numa linguagem – propriamente sua – lânguida como ele, quente como o sol que o abrasa, grande e misteriosa como as suas matas seculares; o beijo apaixonado das Celutas deve inspirar epopéias como a dos – Timbiras – e acordar os Renés enfastiados do desalento que os mata. Até então, até seguirmos o vôo arrojado do poeta de – I-Juca-Pirama2 – nós, cantores novéis, somos as vozes secundárias que se perdem no conjunto duma grande orquestra: há o único mérito de não ficarmos calados.

Assim, as minhas – Primaveras – não passam de um ramalhete das flores próprias da estação, – flores que o vento esfolhará amanhã, e que apenas valem como promessa dos frutos do outono.
Rio – 20 de Agosto – 1859.

CASIMIRO DE ABREU.



4 comentários:

manuela barroso disse...

Ola minha doce Leninha?
Como está o teu céu hoje?
Os teus posts são cada vez mais encantadores. Este texto é belíssimo e a primavera é uma estação que me encanta .
Mas hoje, dia da criança, queria agradecer o teu carinho, pea criança que fizeste despertar em mim!Obrigada, minha querida.Quero guardar sempre esse pedacinho em mim, enquanto puder!
Um abraço de boa noite
com o brinde de um vinho por envelhecer...afinal as vindimas são agora...Obrigada por tuas maravilhosas palavras
Bjiiiiiiiiiiii

manuela barroso disse...

Minha querida,

Voltei aqui ao teu blog xodó, para, nesta altura do dia, despertar com a tua alegria. Sabes que a leitura é segundo o nosso estado de espirito.Tudo é conforme os nossos olhos necessitam.Será?
E hoje ao ler de novo este texto, esqueci por momentos o autor e pensei que eras tu que o escrevias. É o teu retrato. A tua forma de te expressares.Daí a tua escolha.E neste outono, que começa a arrefecer, quero que te aqueça aí a tua primavera com a alegria das bouganvílias.Afinal, a primavera tem que dar lugar a outros invernos.
Fica com a minha enorme amizade minha querida e aquele abraço na alma
Manu

Leninha Brandão disse...

Manu muito querida,bom dia!!!
Concordo contigo quando dizes que a leitura é segundo o nosso estado de espírito...quando li este texto e o postei,pensava em ti e em como gostaria de tê-lo escrito.
Agradeço a delicadeza de tuas palavras,que,como sempre,me tocam e comovem.E te envio todas as bouganvílias que florescem em meu jardim de sonhos.
Bjsssss e muito carinho,
Leninha

Smareis disse...

Oi Leninha amiga, passei pra conhecer um pouco desse cantinho também. Que bonito tudo aqui. Gostei e vou seguir. Seu post esta maravilhoso, é uma bonita homenagem. Os educadores são uma peça muito importante na sociedade, Professor é o sal da terra e a luz do mundo. Um abraço querida, e parabéns pelo blog. Bjs!