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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

UM POUCO DE RITA APOENA




Sobre as estrelas

Deitada na grama, o céu empoeirado de estrelas. Passei o dedo e - curioso - algumas vieram grudadas na ponta. Olhei para cima e assoprei. Foi tanta estrela caindo que agora eu mal consigo enxergar de tanta esperança.


 Quando você se sentir sozinho, pegue o seu lápis e escreva. No degrau de uma escada, à beira de uma janela, no chão do seu quarto. Escreva no ar, com o dedo na água, na parede que separa o olhar vazio do outro. Recolha a lágrima a tempo, antes que ela atravesse o sorriso e vá pingar pelo queixo. E quando a ponta dos dedos estiverem úmidas, pegue as palavras que lhe fizeram companhia e comece a lavar o escuro da noite, tanto, tanto, tanto... até que amanheça.

       BEIJOS PARA  TODOS  OS  AMIGOS



terça-feira, 8 de novembro de 2011

ROTA DE COLISÃO

Vladimir Volegov


De quem é esta pele
que cobre a minha mão
como uma luva?
Que vento é este
que sopra sem soprar
encrespando a sensível superfície?
Por fora a alheia casca
dentro a polpa
e a distância entre as duas
que me atropela.
Pensei entrar na velhice
por inteiro
como um barco
ou um cavalo.
Mas me surpreendo
jovem velha e madura
ao mesmo tempo.
E ainda aprendo a viver
enquanto avanço
na rota em cujo fim
a vida
colide com a morte.


In: COLASANTI, Marina. Rota de colisão. Rio de Janeiro: Rocco, 1993

domingo, 6 de novembro de 2011

UM CÉU E NADA MAIS

Um céu e nada mais - que só  um temos
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul — como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
neram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão de ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais — que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. Um céu e nada mais.


Biografia

Ana Luísa Amaral

Ana Luísa Amaral é professora de Literatura Inglesa no Departamento de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras do Porto. Tem publicações académicas (em Portugal e no estrangeiro) nas áreas de Literatura Inglesa, Literatura Norte-Americana, Literatura Portuguesa e Literatura Comparada. É Investigadora Associada do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. A sua poesia consta em várias antologias. Publicou algumas obras para crianças e seis livros de poesia (Minha Senhora de Quê, 1990; Coisas de artir, 1993; Epopéias, 1994; E Muitos os Caminhos, 1995; Às vezes o Paraíso, Lisboa, 1998; Imagens, 2000; A Arte de Ser Tigre, 2003; A Génese do Amor, 2005).



Nasceu em 1956, onde nasceram 90% dos lisboetas (na Maternidade Alfredo da Costa). Aos nove anos, mudou-se, por vontade alheia, de Sintra para terras do Norte (Leça da Palmeira) (…) Frequentou a Faculdade de Letras do Porto, tendo-se licenciado em Germânicas. Deve ter gostado tanto da Faculdade que por lá se deixou ficar, como professora, até ao presente momento. Por necessidade de carreira, tinha que fazer doutoramento. E fez; sobre Emily Dickinson, cujos poemas a fascinam tanto como a fascinara o Zorro. Pelo caminho, foi publicando livros de poemas(…)

Ana Luísa Amaral, Autobiografia (1998)

Fotografia de Graça Sarsfield